Considerações gerais
A medicina científica do século XXI é herdeira de toda uma história de investigações nos mais diversos campos do conhecimento. Suas proezas hoje alcançadas impressionam pela magnitude da eficácia terapêutica bem como pela diversidade de recursos técnicos empregados. No entanto, a civilização mundial nascente assiste a um espetáculo bastante peculiar no tocante à diferença de resultados verificados na utilização desta avançada ciência, no que se refere aos variados tipos de enfermidades apresentados nas diversas latitudes, classes econômicas, situações culturais e faixas etárias pelo mundo afora. Assim, enquanto ela se mostra insuperável no combate a certas moléstias adequadamente enquadradas no vocabulário técnico-profissional, ela se revela ineficiente no trato de certos tipos de doença de fundo social, de complexidade somatopsicológica ou de padrão energético que superem a abordagem
estritamente fisico-química da atual farmacologia repressiva, bem como na intervenção cirúrgica invasiva hoje praticada. Diante deste quadro, faz-se necessária uma profunda reflexão acerca da natureza, das características, da extensão e do alcance da ciência médica ocidental. Com isto, não se está propondo aqui o simples abandono sumário de todo este universo conceptual e de toda a riqueza tecnológica a ele agregada. De fato, esta é uma solução simplista apressadamente adotada por muitos idealistas, como os adeptos das propostas extremadas da chamada "Nova Era". Estes apregoam o abandono da medicina clínica ocidental, de toda a farmacologia química, enfim, de todas as técnicas enquadradas sob a designação de "Medicina Alopática", classificação esta empregada com cunho geralmente depreciativo, como se ela fosse inadequada, contraproducente, e mesmo nociva.
E eis que, em seu lugar, eles propõem simplesmente o uso de receitas naturais, tisanas, unguentos, emplastros, sem uma prévia averiguação da atuação de tais recursos, e sem nem mesmo observarem que tais recursos são os mesmos aplicados nesta Medicina por eles rechaçada, alguns dos quais de séculos passados. Assim, é preciso evitar o duplo equívoco de ambas as atitudes extremistas: o da medicina vigente que refuta todo esforço terapêutico que não se submeta a seus cânones de verificação científica instrumental e estatística; e o da contracultura naturalista que contesta a própria contestação, e que se erige em oposição sistemática a todo método científico, contribuindo assim para a pouca aceitação e a má vontade dos teóricos ortodoxos no sentido de investigar os princípios subjacentes a esta problemática.
Felizmente, a situação tem se modificado favoravelmente, em ambas as frentes. Por um lado, os terapeutas tradicionais começaram a examinar os critérios científicos que explicam a ação psico-fisiológica das suas técnicas, bem como saíram da atitude ingênua e temerária de recomendar o uso exclusivo de seus recursos como solução para todos os problemas. De outra parte, os médicos ortodoxos passaram a olhar com novos olhos para toda esta imensidão de propostas terapeuticas legadas por uma tradição ancestral multimilenar da qual nasceu a própria medicina científica por eles cultuada; e além disso, passaram a adotar vários princípios terapeuticos consagrados nestas práticas paralelas, como as idéias de prevenção, de cura através do alimento, de equilíbrio energético, de atuação integral a nível mental e corporal, de avaliação completa da situação de vida do paciente, de tratamento da unidade familiar como um todo, de análise dos fatores morais envolvidos na etiologia das moléstias, de consideração do elemento espiritual outrora ridicularizado, entre outros.
É claro que este processo não poderia deixar de enfrentar certos obstáculos e mesmo desvios, derivados das limitações e dos interesses inerentes a ambas as partes, e agravados pela interferência do fator econômico. Assim, enquanto os terapeutas tradicionais muitas vezes pretendem obter reconhecimento igual ao dos médicos ortodoxos, sem submeterem ao amplo processo de formação superior ao qual estes são submetidos, eis que os profissionais de saúde, diante da inevitabilidade do reconhecimento de tais terapias, requerem que elas sejam permitidas apenas aos indivíduos portadores de tal ou qual diploma acadêmico. A solução para este cipoal de problemas e reivindicações pode e deve ser procurado na via equanime da legislação. Somente ela pode institucionalizar aquilo que, até então, vinha sido considerado como prática social informal, mas cuja aceitação popular e cuja simpatia despertada em certos setores da ciencia não podem ser negadas.
Porém, a mera positivação desta atividade sob uma forma legalizada não resolve o problema; pelo contrário, ela poderá agravar o quadro, caso a previsão legal não tenha sido formulada de maneira adequada, ou seja, se houver um descompasso entre a lei e a justiça. Por tudo isto, vê-se que a análise de questão tão complexa como a das terapias tradicionais complementares exige não apenas a verificação da sua situação legal, mas o aprofundamento da reflexão necessária para decisão tão importante. Assim, é importante chamar a Filosofia e a Ética para este diálogo, para que o consenso dele decorrente resulte em benefíicios para todas as partes, e, sobretudo, para o destinatário fundamental de todo este esforço – o doente e atormentado cidadão terrícola do século XXI.
A Filosofia das Terapias Holísticas
O conceito de filosofia
A definição de filosofia é tarefa das mais problemáticas. Nem os cultores desta atividade pensante conseguem chegar a uma concepção que não seja passível de crítica. Neste caso, porém, onde mora o perigo também mora o remédio. Assim, onde quer que encontremos uma reflexão de natureza não linear, ambígua, e por vezes mesmo paradoxal também estaremos diante de uma questão filosófica. De uma maneira preliminar, ainda que questionável por esta ou aquela doutrina particular, podemos estabelecer um critério diferenciador: a Filosofia cuida de princípios, a ciência de regras ou leis, a religião de fins. A filosofia questiona pela Origem ou Criação, a Ciência pelo meio, transformação, caminho ou afastamento desta origem, e a religião pelo destino, pela morte, pelo retorno a esta origem. Consideradas as coisas a partir deste ângulo de observação, não se justifica a proposição, tantas vezes defendida pelos pensadores do ocidente, de que a Filosofia é uma criação do ocidente, e de que os maravilhosos sistemas de pensamento surgidos no oriente Antigo não alcançaram a altitude da especulação teórica do Ocidente.
A Filosofia das Terapias Holísticas
O conceito de filosofia
A definição de filosofia é tarefa das mais problemáticas. Nem os cultores desta atividade pensante conseguem chegar a uma concepção que não seja passível de crítica. Neste caso, porém, onde mora o perigo também mora o remédio. Assim, onde quer que encontremos uma reflexão de natureza não linear, ambígua, e por vezes mesmo paradoxal também estaremos diante de uma questão filosófica. De uma maneira preliminar, ainda que questionável por esta ou aquela doutrina particular, podemos estabelecer um critério diferenciador: a Filosofia cuida de princípios, a ciência de regras ou leis, a religião de fins. A filosofia questiona pela Origem ou Criação, a Ciência pelo meio, transformação, caminho ou afastamento desta origem, e a religião pelo destino, pela morte, pelo retorno a esta origem. Consideradas as coisas a partir deste ângulo de observação, não se justifica a proposição, tantas vezes defendida pelos pensadores do ocidente, de que a Filosofia é uma criação do ocidente, e de que os maravilhosos sistemas de pensamento surgidos no oriente Antigo não alcançaram a altitude da especulação teórica do Ocidente.
Para Hegel, que admirava profundamente os orientais, eles só conseguiram exprimir a sua intuição do absoluto na forma de imagens e símbolos, não tendo logrado a expressão através do conceito e da Idéia. Para Heidegger, a Filosofia é grega por natureza, pois só os gregos teriam iniciado sem precursores a reflexão sobre a questão do Ser, e se mantido na perspectiva pensante por ela descortinada. Evidentemente, trata-se de um etnocentrismo exagerado negar caráter filosófico aos sistemas de pensamento desenvolvidos sob cânones ou axiomas diversos daqueles encontrados no Ocidente. O budismo Mahayana, o Vedanta, o Zen, o Taoísmo são exemplos de escolas de pensamento altamente sofisticadas. Porém, se aqui entre nós as coisas parecem ser mais claras no tocante à divisão entre filosofia, ciência e religião, o mesmo não acontece nas doutrinas do oriente.
Lá, o sentido de unidade é mais forte, e idéias como a da polaridade yang-yin exprimem desde uma teoria sobre a origem das coisas, como um ideal de virtude e equilíbrio morais, mas também fornecem indicações sobre aplicações de técnicas médicas como acupuntura, e mesmo são estilizados em artes de Guerra como a doutrina de Sun Tzu, e ainda, artes marciais como o kung fu. Porém, uma reflexão mais atenta nos mostrará que esta mesma observação se aplica a nossas doutrinas ocidentais. Muitos dos conceitos que estruturaram a visão de mundo apresentada na Metafísica de Aristóteles também estão presentes em sua Física, em sua Biologia e em sua Psicologia.
Nos filósofos cristãos, não se sabe com segurança onde termina a filosofia e começa a religião, na forma da especulação teológica. Na doutrina cartesiana, as constatações do matemático Descartes serviram de base ao mecanicismo do filósofo Descartes. E o próprio Marx, que declarou ser a religião um "ópio do povo", teve o irônico destino de ser objeto de adoração fanática por seus seguidores. Diante deste quadro, percebe-se que todo sistema de pensamento possuirá, inevitavelmente, aspectos filosóficos, científicos e religiosos. Muito do que consideramos hoje mera especulação filosófica se tornará fundamento de ciência amanhã; e muita ciência de hoje foi fruto de alguma idéia filosófica do passado.
Tal situação se mostra claramente tanto no caso da Medicina Ocidental moderna quanto no da Medicina Oriental Clássica. No caso daquela, há muitos postulados filosóficos que impedem a pesquisa de certos problemas fundamentais; e o materialismo subjacente a muitas explicações científicas é defendido de forma quase religiosa por seus teóricos, como Freud, que exortou Jung a ajudá-lo a combater "a lama negra do ocultismo". Já no tocante a esta última, há muitas idéias até hoje consideradas filosófico-religiosas que podem ser exploradas em suas consequências científicas, ensejando um verdadeiro programa de pesquisas quase totalmente a desbravar.
Em todo caso, o fortalecimento de ambos os sistemas médicos não requer somente a consideração dos aspectos até agora desprivilegiados em suas abordagens. Afinal, tão importante quanto consolidar a estrutura interna é desenvolver a correlação funcional com o contexto intelectual. Assim, que se proceda ao importante diálogo entre a Medicina Ocidental e a Oriental, em seu tríplice aspecto filosófico, científico e religioso, para que novas perspectivas terapêuticas possam ser colocadas ao alcance do homem contemporâneo.
Fonte Scribd